quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

AVATAR, de James Cameron (EUA, 2009 - Ficção Científica/Ação - 162min). Roteiro: James Cameron. Com Sam Worthington, Zöe Saldaña, Stephen Lang, Michelle Rodriguez, Giovanni Ribisi, Joel Moore, CCH Pounder, Wes Studi, Laz Alonso, Dileep Rao e Sigourney Weaver.

Megalomaníaco. Controlador. Arrogante. Gênio.

Assim é James Cameron. A cada projeto, o cara não reinventa a roda, mas dá uma nova função para ela.

De tudo que os meios de comunicação que noticiaram Avatar mencionaram, chama atenção o período de 10 anos que o projeto permaneceu nas gavetas da Lightstorm, produtora de Cameron. Tudo porque o homem que criou os bordões mais bacanas de Arnold Shwarzenegger estava ajudando a desenvolver a tecnologia que viabilizaria a existência do mundo fantástico de Pandora, lar de criaturas humanóides (os Na’vi) e palco de toda a trama.


O roteiro de Avatar é uma mistura de Dança Com Lobos e O Último Samurai, encontrando Matrix e O Senhor dos Anéis, com aspirações shakespearianas. No ano terráqueo de 2156, o ex-marine paraplégico Jake Sully (Worthington) é convidado a assumir o lugar do seu irmão gêmeo morto em Pandora. Sua missão: utilizar-se, através de conexões neurológicas à distância, de um avatar Na’vi especialmente desenvolvido à genética e padrão neurológico do seu irmão cientista e infiltrar-se na tribo para convencê-los a deixar o local onde moram – fonte de um minério que, como frisa o chefe da expedição, vale US$ 20 milhões o quilo. Jake precisa aprender, conhecer os costumes e ganhar a confiança dos Na’vi para que possa persuadi-los, mas a medida que convive com os tribais – em especial com Neytiri (Zöe Saldaña, ótima) – Jake aprende a admirar aquele mundo onde aura mística e harmonia com a natureza são os valores mais importantes. Já viu isso antes? Como disse no início, Cameron não recria a roda no roteiro que escreveu sozinho, mas protege seus clichês em uma embalagem nunca vista antes.


E esta embalagem única foi desenvolvida pela Weta de Peter Jackson, a empresa responsável por O Senhor dos Anéis. Com os computadores da Weta, James Cameron transforma Avatar no maior espetáculo visual já visto na história do cinema, com um mundo inteiro criado em CGI, toda uma fauna e flora peculiar – e belíssima. Posso dizer que é indistinguível da realidade, tamanha a riqueza de detalhes, perfeição da iluminação e textura aplicada em criaturas, plantas e objetos. Os Na’vi, criaturas com feições felinas, pele azul e 3 metros de altura, foram desenvolvidos à perfeição: a textura da pele é detalhista; a expressão corporal é fluida de forma perfeita; os olhos, enormes, são comoventemente expressivos (é Cameron provando que quebrou a última barreira do CGI - a falta de vivacidade dos olhos).

Para desenvolver essa fluidez, a técnica é a velha conhecida “captura de performance”, mas ao invés de pontos de luz, os atores utilizam uma veste completa, que captura a menor nuance de movimento ou expressão. O resultado é uma atuação convincente que observa de perto cada sentimento expressado pelas criaturas – observem atentamente Zöe Saldaña, que faz um trabalho impressionante sob a maquiagem digital de Neytiri.


Mas isso tudo, esses 10 anos de maturação, as câmeras e software desenvolvidos especialmente para o longa, tudo ruiria sem misericórdia se James Cameron não utilizasse os efeitos especiais de cair o queixo para contar uma história poderosa. A forma de Jim “contar um conto” (comparável apenas com Spielberg e, agora, Peter Jackson) é o grande trunfo que prende o expectador na cadeira ao longo dos seus 160 minutos. Seu roteiro ainda é maniqueísta e repleto de diálogos pouco inspirados, porém, o cara desenvolve a história e empolga como poucos. A edição é linear e tranquila sem ser enfadonha; não há cortes bruscos ou “truque da chuva” para enganar as vistas ou esconder imperfeições.

Observamos a crescente evolução de Jake como Na’vi – e, paradoxalmente, como humano - com interesse e preocupação genuínos até o crescendo que culminará no empolgante combate entre Na’vi e o exército mercenário liderado pelo Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang, adicionando mais um vilão magnífico à galeria de Cameron). As cenas de ação não são menos que espetaculares e há momentos de prender o fôlego na torcida pelos heróis.
No entanto, Cameron acerta a mão com louvor no fator que faz toda diferença entre sucesso e fracasso, o fator que procuro em todos os filmes que assisto: a emoção que aquela história contada desperta em cada um dos presentes. São tantos os momentos, tantos os pontos emocionantes protagonizados por criaturas azuis, que facilmente nos identificamos e nos preocupamos com aquele povo diferente – uma mensagem poderosa de Cameron contra o preconceito –, admiramos seu mundo no qual a divindade e a natureza são literalmente conectadas com o povo – outra mensagem clara de ecologia e fé – e a repulsa aos soldados assassinos – mensagem pacifista, ainda que o roteiro se utilize de clichês maniqueístas incômodos, como o prazer demonstrado pelos mercenários ao abater com canhões Na’vis armados de arco e flecha. Cameron desperta emoções e lágrimas sem apelar a manipulações baratas, tudo que ele faz é dar ao seu público motivos genuínos para acreditar nos personagens e em suas motivações. E ele o faz em um campo repleto de distrações: como se não bastasse os efeitos impressionantes e o mundo cheio de cores, ainda há o fantástico efeito 3D que joga a platéia no meio da ação. Mimos que poderiam facilmente colocar o desenvolvimento do enredo em segundo plano, mas não é o que acontece na cartilha do cineasta.


E quem diria que a veterana Sigourney Weaver ainda seria capaz de criar um personagem que alia ternura e dureza em um filme de ação? Como a cientista líder, Dra. Grace Augustine, ela é nossa representante em Pandora, e seu carisma ao demonstrar ódio e amor fraterno por Jake com a mesma intensidade é que nos conduz entre os Na’vi até um momento marcante que muda o ritmo do filme e dos personagens.


Me emocionei em vários momentos, tanto por testemunhar um trabalho histórico de qualidade ímpar, quanto por acompanhar a trajetória daqueles ricos personagens.
Depois de brincar de “rei do mundo”, James Cameron criou um mundo e brincou de “deus”.


NOTA: A+

2 comentários:

  1. É impossível o mundo do cinema não se curvar à ousadia obsessiva e genialidade de James Cameron.
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    Como alguém, depois de Steven Spielberg e Peter Jackson, consegue não se intimidar e criar algo ou mesmo adaptar um roteiro conhecido para se tornar um sucesso impactante, uma obra prima do cinema.
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    “Avatar” é um exemplo para aqueles cineastas que se contentam com o “comercial” e não acreditam nos sonhos.
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    Crítica impecável.

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  2. "Avatar" é de inebriar os sentidos, Junior. Quase chorei em várias cenas. E vc não viu em 3D, certo? Tive que procurar meu queixo antes de deixar a sala do cinema...
    Abraço

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