quarta-feira, 21 de julho de 2010

MOTORADIO: RACIONAIS MCs - "Fim de Semana no Parque"


1993. O grunge de Seattle era o rock da época. No Brasil, pagodeiros dançantes enriqueciam depois de colocar suas caras e rabos rebolantes nos palcos do Gugu ou Faustão. Enquanto isso, um quarteto da periferia paulistana lançava um LP de rap que entraria para a história da música brasileira. Música?

Raio X Brasil seria mais uma tentativa dos Racionais de mostrar suas rimas para o maior número possível de pobres Brasil afora. Objetivo modesto. Porém, o petardo "Fim de Semana no Parque" ultrapassou a fronteira traçada por Mano Brown e chegou à classe média, após execuções maciças em "rádios pop", como Jovem Pan e Transamérica. O rap transbordava das rádios especializadas e invadia o território de Madonnas e Poisons. Nunca antes algo assim ocorrera com uma vertente musical periférica - ou "popular".

"No último natal Papai Noel escondeu um brinquedo
Prateado
Brilhava no meio do mato
Um menininho de dez anos achou o presente
Era de ferro
Com doze balas no pente"

Com esse nível de realidade nos versos, a batida seca cortada pelo baixo incessante e um vocal raivoso, Brown viu nascer seu primeiro sucesso e o reconhecimento de público e crítica. Suas atitudes desde então demonstravam que ele não perseguia aquilo. Queria mostrar sua música, viver dela. Mas não iria no Faustão. Quatro anos depois, os Racionais lançaram o lendário Sobrevivendo no Inferno, disco referência do hip hop nacional, frequentador assíduo de qualquer lista dos melhores discos brasileiros de todos os tempos. Vendeu 500 mil cópias originais e um sem número de CDs piratas (estima-se pela casa do milhão). Muito rapper de talento pôde se mostrar na cola de Sobrevivendo, que por sua vez, não existiria desmarginalizado sem "Fim de Semana no Parque". A parir dela, o rap brasileiro se afastou de vez do gangasta americano e elevou o status do rapper, finalmente reconhecido como artista.

Música? Sim, de qualidade artistica inquestionável.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

KICK-ASS - QUEBRANDO TUDO, de Matthew Vaughn ("Kick-Ass" - EUA - 2010 - ação/HQ - 117min). Roteiro: Jane Goldman e Matthew Vaughn, baseado na HQ de Mark Millar e John Romita Jr. Com Aaron Johnson, Nicolas Cage, Chloe Moretz, Christopher Mintz-Plasse, Mark Strong, Lyndsy Fonseca.

O nerd adolescente Dave Lizewski decide se tornar um super-herói simplesmente porque lhe pareceu uma idéia óbvia. Comprou uma roupa de esquiar pela internet, batizou seu alter ego como Kick-Ass e partiu para a ação. Em sua primeira missão, ele é surrado, esfaqueado e atropelado. Passa por procedimento cirúrgico que lhe confere placas de titânio para remendar os ossos quebrados e afeta seu sistema nervoso, a ponto de torná-lo resistente à dor. Depois de tanto sofrimento e meses em coma, que tal retornar à roupa de esquiador e fazer tudo de novo?

Kick-Ass é isso: o sopro de frescor prolongado que os gibis, antigamente relegados à caixas velhas de papelão, proporcionaram ao cinema nos últimos anos.

Matthew Vaughn assumiu a tarefa de conduzir um filme ousado. Partindo de um enredo crú e violento,  manteve em tela aqueles uniformes absurdos, coloridos, típicos de HQ. Ok, Alan Moore fez isso em Watchmen (a matriz de todos os heróis do "mundo real") e Zack Snyder o seguiu em sua adaptação cinematográfica, o que se mostrou uma ótima decisão. Mas Kick-Ass evita o quanto pode a caricatura kitch mostrada em Watchmen - O Filme, concentrando suas ações na ultraviolência gráfica, em cenas de fazer Cães de Aluguel parecer um conto de fadas. Por quê? Porque em Kick-Ass a princesa do conto está de espada na mão, mutilando, atravessando, esquartejando. E a princesinha se chama Hit Girl, uma garotinha de onze anos treinada pelo pai desde os cinco para se tornar uma máquina de matar. Mas ao contrário de Lizewski, que decidiu se tornar super-herói para enfrentar alguns "ismos" (egoísmo e niilismo, talvez), Hit Girl e seu pai Big Daddy (Nicolas Cage versão Academy Awards Nominee) são movidos por pura vingança. A curta cena em forma de quadrinhos que conta a origem da dupla é sensacional. A menina Chloe Moretz - Hit Girl - é espantosa de tão boa. Quando ela está em cena, é difícil prestar atenção em outra coisa. Por sinal, se a atriz não fizesse a personagem funcionar, o projeto iria pro espaço, já que atrás do rostinho angelical existe uma chocante e boca-suja assassina, que mata sem um traço de remorso e é vítima de agressões adultas que fará com que muitos conservadores desviem o olhar. Uma atriz menos talentosa não seguraria o refrão.

Clichê dizer que Hit Girl e Big Daddy são a melhor coisa do filme, a dupla inusitada. Não funcionaria sem a tal "química" entre Cage e Moretz, uma relação de pai e filha que mostra carinho e admiração em meio a armas, canivetes, socos e pontapés. Nic Cage, o paradoxal ator que, quando ganha muito dinheiro atua de forma preguiçosa (Motoqueiro Fantasma, O Vidente) e quando ganha pouco dinheiro, dá o máximo de si (O Beijo da Morte, Adaptação). Cage está em seus melhores dias: na primeira cena dos dois no filme, Big Daddy está dando tiros de pistola em sua filha, para acostumá-la com o colete de kevlar e a pequena dor que o balaço proporciona. "One more shot, honey". Eu acreditei na ternura do cara quando proferiu a frase absurda, instantes antes de efetuar o segundo disparo.

Mandando o "policamente correto" aos diabos, Kick-Ass apresenta uma violência gráfica marcante, geralmente perpetrada pela inocente figura de Hit Girl. Veja, estamos imaginando a existência de super-heróis na nossa realidade, portanto, não cabe a compaixão de Bruce Wayne ou Peter Parker aqui. Vilões matam. Portanto, Hit Girl e Big Daddy não fazem prisioneiros. Assim como o filme: o que precisa dizer, será dito; o que tiver de mutilar, será mutilado. A bazuca? Pode crer que será utilizada.


NOTA: A