terça-feira, 24 de julho de 2012

O ESPETACULAR HOMEM-ARANHA, de Marc Webb

"The Amazing Spider-Man" - EUA - 2012 - Aventura/HQ - 137min. Roteiro de James Vanderbilt, Alvin Sargent e Steve Kloves. Com Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Martin Sheen, Sally Field, Denis Leary, Campbel Scott, Embeth Davidtz.

PODER E ESCOLHA
Nova aventura do aracnídeo esvazia o motivo da existência do herói: seu senso de responsabilidade

Ok, a culpa é nossa. Basta ver o anúncio de produção de um novo filme de super-herói que nos inflamos de expectativa e corremos para o cinema assim que o filme estréia. Não me olhe assim, somos iguais.  A bilheteria explode, os produtores contam milhões (as vezes, bilhões) e uma continuação é engatilhada. Ou duas. Esgotados os arcos dramáticos e a paciência dos envolvidos na produção, não há problema: conta-se novamente a mesma história, com equipe criativa diferente. É o que acontece com este Espetacular Homem-Aranha, um remake do filme de 2002 com diretor, atores e vilão diferentes. Trata-se de um filme irregular desde a concepção, já que, com metade da sua duração dedicada a recontar uma origem ainda fresca na memória geral, não precisaria existir.

Lamentações vãs à parte, a aventura está aí e, se por um lado tem a melhor personificação gráfica do herói, com movimentos inspirados em HQs de feras como Todd McFarlane e Mark Bagley (graças à evolução do CGI), por outro apresenta cenas de ação pouco inventivas e um vilão que carece de razão para existir. E existe pelo que há de mais clichê e dispensável neste tipo de filme: o herói "ajuda" a criá-lo. E não será a única "interferência do destino" da aventura. A mocinha Gwen Stacy (a sempre bela Emma Stone) trabalha para o alter-ego do vilão e é filha do capitão da polícia obcecado em prender o Aranha. O próprio Peter (Garfield, fazendo o que pode) tem mais pontos em comum com o Lagarto, já que seu pai era parceiro de Curts Connors (Ifans, sem chance de aparecer). Lastimável. Mas o maior problema reside exatamente no que deveria ser a alma do filme: a construção dos personagens. Sobretudo, de Peter Parker.

O Homem-Aranha é a obra-prima de Stan Lee (em parceria com o mito Steve Ditko) exatamente por causa da complexidade do garoto que veste a máscara. Peter Parker é um geniozinho do colégio, nada popular e vítima de buling que, em uma feira de ciências, é picado por uma aranha radiativa que lhe confere força e agilidade proporcionais às do aracnídeo. Órfão, foi criado pelo tio paterno que ensinou uma valiosa lição sobre "poder e responsabilidade", transformando aqueles poderes que poderiam ser motivo de curtição e vingança contra os valentões em uma verdadeira maldição que monopolizava seu tempo, o afastava dos seus entes queridos e de qualquer chance de ter uma vida normal.

Marc Webb e seu time de roteiristas acharam boa idéia ignorar essa complexidade e jogar seu Peter Parker - que na versão Andrew Garfield é um antenado rapagão de cabelos cuidadosamente desgrenhados (Crepúsculo?) - no turbilhão irresponsável da adolescência comum, motivado apenas por vingança juvenil e pelo irritante clichê "preciso deter o Lagarto porque ajudei a criá-lo". No longa de Webb, Parker pensa que usar seus poderes para ajudar as pessoas depende da sua escolha, e não do seu senso de responsabilidade. Tirando isso do personagem - o senso de responsabilidade - , ele não existe mais. Não ajuda o fato de Gwen Stacy e May Parker, os dois personagens de maior apelo junto aos fãs das antigas, não apresentarem qualquer profundidade. Sally Field faz uma Tia May triste, nada mais. Nada de inspiração ou preocupação por parte do sobrinho. Peter se apaixonar pela loirinha Gwen é normal, o triste é ele passar de um esquisito desconhecido a grande amor da garota tão rápido e rasteiro que deu a impressão de que cochilei por alguns minutos durante a projeção. Não dá para torcer por um casal assim. Para entender a dinâmica "Peter-Gwen", Webb deveria ter lido Homem-Aranha: Azul de Jeph Loeb e Tim Sale. Chris Nolan leu uma obra de Loeb - O Longo Dia das Bruxas - e o resultado pode ser conferido no seu O Cavaleiro das Trevas

Além das coincidências, dos personagens rasos e do Peter Parker desfigurado, o filme ainda não se amarra.  O Tio Ben morre. Cadê a consequência? Existem insinuações sobre os pais de Peter e sua "aranha". Por quê não foi desenvolvido? Tenho a resposta: a coisa foi pensada como "trilogia", então, os produtores acharam que não era necessário amarrar o filme como projeto cinematográfico, o que é terrível. Marc Webb, um cineasta de grande potencial, agora é o feliz responsável por um filme concluído, porém incompleto! Sinto saudade do tempo em que um filme era uma unidade, um produto acabado, independente de ser parte de uma cinessérie ou saga.

A verdade é que O Espetacular Homem-Aranha não é espetacular. Não é emocionante, o vilão é fraco, as mortes não são sentidas. Gwen não é apaixonante, Tia May não faz diferença, Curts Connors perdeu a referência. E a superexposição do herói sem máscara insinua que seu altruísmo depende de reconhecimento.

Com tanto deslize, até a ideia bacana de explorar a "busca por identidade" do herói ficou diluída em diálogos expositivos e motivação anêmica.

Ainda bem que existe o velho Homem-Aranha 2 de Sam Raimi para lembrar que meu personagem preferido (em qualquer mídia) já teve uma obra cinematográfica digna da sua importância como ícone pop.



NOTA: