segunda-feira, 25 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2, de José Padilha

Brasil - 2010 - Ação/Policial - 116min. Roteiro de Braulio Mantovani e José Padilha. Com Wagner Moura, Maria Ribeiro, Seu Jorge, Milhem Cortaz, Tainá Müller, Irhandir Santos, André Ramiro, Sandro Rocha.

A liberdade de expressão no Brasil é artigo de luxo. Não me lembro de nada relevante produzido com a exploração deste direito constitucional. Os rappers procuram se valer disso, mas dificilmente seu discurso ultrapassa as fronteiras do gueto. Nas raras exceções, o sensacionalismo diminui a contundência das denúncias. A mídia investigativa está no bolso de quem deveria ser investigado e só evoca o direito quando quer criticar por interesses próprios (basta ver as capas dos semanários nesta época de eleição e comprovar que imparcialidade jornalística não gera lucro).

Por isso, um veículo como Tropa de Elite 2 acaba crescendo em importância quando vê a luz do dia. Não serei ingênuo em acreditar que a mentalidade do mainstream nacional será afetada pela coragem de José Padilha, ou que os rumos políticos poderão sofrer algum impacto com o sucesso do filme. Seria pretensão demais para uma obra destinada ao entretenimento. Mas já me sinto aliviado que um filme nacional com apelo massivo tenha coragem para se aprofundar em um assunto abordado de forma superficial nos noticiários. Ainda que o selo "Globo Filmes" obrigue Padilha a incluir um aviso preliminar informando que tudo aquilo é "uma obra de ficção" - aviso este que pode ser interpretado de forma irônica no desfecho da fita.

Tropa de Elite 2 avança dez anos no futuro do primeiro longa para mostrar como o agora Cel. Nascimento será exonerado do cargo após uma ação desastrosa (para a política e os defensores dos direitos humanos) para conter uma rebelião na penitenciária Bangu I. Como o próprio personagem diz, é "uma queda para o alto": Nascimento é nomeado subsecretário de segurança pública do Rio de Janeiro, e transforma o BOPE numa "verdadeira máquina de guerra" (também nas palavras do próprio). Porém, com a queda dos traficantes, Nascimento é obrigado a assistir a ascensão das milícias formadas por PMs corruptos e toda a política macabra que as apóia em troca de votos.

Abordado de forma corajosa, os desmandos do comando da polícia e da secretaria de segurança transformam o primeiro (e ótimo) filme em um pequeno ensaio para o grande evento. Sim, acho que "coragem" é a palavra certa para definir o trabalho de José Padilha. Mais uma vez, seu roteiro se mostra panfletário em relação ao BOPE, mas a ferida na qual ele tem a manha de colocar o dedo o isenta de qualquer acusação absurda de propaganda fascista. O Brasil não precisa de heróis (mártires?) como Nascimento e Mathias? Por quem estes personagens incorruptíveis estão matando e arriscando as próprias vidas? São as questões que movimentam as quase duas horas de duração do petardo. Em determinado momento, ao abordar um dos poderosos beneficiados pela milícia, Nascimento nos coloca dentro da cena quando brada, aos tabefes, "se alguém da minha família morrer, eu mato todo mundo!" Não se envergonhe por gostar da cena, ela está no roteiro para atiçar seu sorriso sacana.

O CINEASTA
A cena de abertura - a violenta rebelião no presídio de segurança máxima - demonstra a capacidade de Padilha, incomparável nacionalmente, para encenar ação e violência: com a câmera sempre muito perto, cada gota de suor é registrada com realismo nauseante. E se a cena pede nervosismo, ela está nos olhos dos soldados do BOPE, na trilha sonora impecável e na frieza eufórica do Cel. Nascimento ("vamos deixar que os vagabundos se matem, depois entramos"). Todas as cenas de ação existem no desenvolver do enredo, nada é gratuito. Também não há personagem subestimado ou inútil. Seu roteiro é enxuto. Se podemos fazer comparações, a que caberia à José Padilha é com Michael Mann. Sem exagero. Não ficaria surpreso em ver seu nome atrelado a uma grande produção de Hollywood em um futuro próximo.

O PROTAGONISTA
O Cap. Nascimento é um ícone do nosso cinema e consagrou o ator que o interpreta. O desafio de Wagner Moura era caracterizá-lo dez anos mais velho, divorciado e longe do filho adolescente. E seu trabalho é sensacional. Utilizando apenas mechas de cabelo grisalho como artifício cenográfico, Moura emprega sempre um semblante que, se evita demonstrar resignação, traz um constante ar de cansaço e decepção por todos os anos de batalhas e perdas pessoais com resultados pífios. Inteligente, aparece sempre com os ombros arqueados para frente, como se o peso do mundo lhe estivesse às costas. O agora subsecretário de segurança pública participa pouco da ação, o que não impede que, quando o faça, pareça de fato empunhar armas e enfrentar bandidos há muito tempo. Moura atua com naturalidade e tem uma incrível noção do peso da história do seu personagem. Todas as frases contundentes proferidas por Nascimento pesam uma tonelada sob a credibilidade do intérprete. Sem dúvida, um trabalho formidável de um ator que entende o que é fazer cinema.

André Ramiro reprisa seu papel como o Cap. Mathias, agora sem a hesitação demonstrada no primeiro filme. E o elenco ainda teve a adição do ótimo Irhandir Santos como o adversário político de Nascimento.

Parabéns ao Padilha, que conseguiu superar as expectativas de criar uma sequência para um grande filme e ainda dar um passo adiante. Já que Paul Greengrass está fora de The Bourne Legacy, José Padilha seria o cara ideal para ocupar a cadeira principal do filme. Tony Gilroy, pede pra sair.
NOTA: A



Um comentário:

  1. Excelentes comentários, amigo. Pelo cuidado com a crítica, o filme te agradou sobremaneira. Confesso, não vejo a hora que ele também aporte por aqui.

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