O maior estádio da cidade estava lotado. Não imagino quantas mil pessoas. Quarenta? Cinquenta? Só posso arriscar que 80% do quorum era feminino.
O cara no palco, o maniac de jaqueta fechada, era a justificativa das garotas.
Quando conseguimos vencer seis lances de arquibancada para nos acomodar entre moças ensandecidas, a banda ainda esquentava a platéia com o hit "In These Arms", do grande Keep The Faith (1992). Jon Bon Jovi rebolava para manter sua pose sex symbol, vertendo gotas em calçolas ávidas por um desses, já que o rock'n'roll moderno não mais comporta frontman galã.
"Captain Crash", do Crush (2000), baixou a pelota, mas foi o tempo suficiente para nos estabelecer como platéia no estádio pulsante. Ao chegar atrasados no local, perdemos pelo menos dois clássicos: "You Give Love a Bad Name" e, putz, "Born To Be My Baby". Minha garota, que estava comigo, gosta desta última.
O show estava morno, Jon sorrindo. Um Richie Sambora inchado (mardita cana!) trocava freneticamente de guitarra a cada música executada. "When We Were Beautiful" do novo The Circle, tratou de manter tudo low profile.
Eis que Jon anuncia o retorno a 1984 e David Bryan inicia a tecladeira de "Runaway". Até eu resolvi cantar. Nem a nova "We Got It Going On" atrapalhou, pois logo os caras grudaram "It's My Life" e sequer foi possível ouvir Jon cantar o refrão, tamanha a voracidade com que o público devorou a letra. Com a pelota cruzada na área, "Bad Medicine" cuidou para que ela fosse para o fundo da rede. Minha garota concordava com as exclamações da garotada sobre a aparência física do frontman. O carisma do sujeito é inegável. E canta pra caralho ao vivo. Mas ouvir "liiiiiindoooooooo" em intervalos de 12 segundos fugia das minhas expectativas para o concerto.
No entanto, o que estava dentro das minhas expectativas também se concretizava. Depois de meter "Oh, Pretty Woman" e "Shout" no meio de "Bad Medicine" (que, acredite, ficou massa), Jon deixa Richie Sambora dominar o palco para cantar outro clássico do New Jersey, "Lay Your Hands On Me". Richie, guitar hero old school, também canta pra diabo. A turba se manteve cantando junto, e minha garganta já apresentava um gosto de lixa usada.
Então, Jon Bon Jovi retorna ao palco, para delírio das calcinhas em brasa. Tico Torres, batera caboclo, soca o kit na introdução de "Always" ("and I will love you, baby, always"), que Jon executa com figurino diferente do início do show. Ao fim da romântica (e bela) balada, com exibições de closes do vocalista nos telões, já me preocupava com a possibilidade do chão estar escorregadio.
Atendendo um pedido da minha garota, Jon anuncia "Blaze Of Glory", música do seu primeiro disco solo que serviu de trilha sonora para o simpático filme Jovens Demais Para Morrer (que fim levou Emilio Estevez?). Muito bom, solos sensacionais do guitar hero, "I'll Be There For You" começa. Balada master, dançada em bailinhos no fim dos '80. O agudo do vocal seria testado. Teste positivo.
A essa altura, eu só conseguia balbuciar as letras. Mas fiz questão de acompanhar o refrão grudento de "Have A Nice Day" daquele disco com uma "carinha feliz" na capa. "I'll Sleep When I'm Dead" manteve o rock'n'roll como prato principal, mesmo com a insistência da menininha à minha direita, com óculos de lentes quadradas, em gritar "lindo demaaaaaais"!
Com a platéia devidamente aquecida, um Jon Bon Jovi performático descasca a boa "Work for the Working Man", do disco novo, e junta "Who Says You Can't Go Home" do Have a Nice Day (já disse, o disco da "carinha feliz" na capa).
A sensacional "Keep The Faith" encerrou os trabalhos, e os seis caras desceram do palco para fazer xixi e cocô. Menos Jon, que deixou para obrar depois, já que era importante voltar para o bis de roupa nova.
Contrariando uma previsão macabra que fiz mais cedo, a banda mandou "These Days", do álbum homônimo de 1995 (o melhor disco da banda, me perdoem os admiradores do Slippery When Wet). Falando no álbum "escorregadio quando molhado" (sem alusão às fãs de Jon), os dois cabras à frente do palco iniciam os acordes de "Wanted Dead Or Alive". Foda-se minha goela.
"Someday I'll Be Saturday Night" e o clássico master, um dos estandartes do rock, a lendária "Livin' on a Prayer" dava números finais à saga bonjovística em solo paulistano.
Hã? Não?!
Vero, após poucos minutos de penumbra e os caras amontoados no palco a confabular, Jon se dirige novamente ao microfone, tudo se acende, e Richie inicia o solo de "Bed Of Roses". Era o que faltava para as tangas serem torcidas no caminho para casa.
Neste momento, eu estava sendo abraçado pela minha garota e meus amigos. O sino deu doze badaladas e eu comemorei, em tempo real, meu 34º aniversário, ouvindo um dos maiores frontman do rock sentenciar "I wanna lay you down in a bed of roses / For tonight I sleep on a bed of nails / I wanna be just as close as the holy ghost is / And lay you down on a bed of roses". Um "parabéns pra vc" meio macabro.
Thank you, Vivi. Thank you friends. Thank you Jon and Richie.