"Essa será A BANDA dos anos 90", diz um alucinado Andrew Wood em
espantosa cena inicial do documentário celebrativo Pearl Jam Twenty. Ele estava profeticamente certo, só não imaginava que sua própria morte seria o início de tudo.
Impossível racionalizar o bem estar que
coisas abstratas do seu mundo são capazes de proporcionar. Coisas aparentemente
simples, como estar de bem com sua família; se divertir com seus
melhores amigos; curtir o som da sua banda preferida. Sua banda.
Quando sentei no lugar numerado na sala
(sim, cinema com lugar marcado NO BRASIL), fiquei a observar a entrada dos
sujeitos que pagaram para assistir o documentário de uma popular banda americana que completa
vinte anos de atividade. Tais sujeitos não pareciam ter vinte anos vida. Mas
estavam lá, vários trajando camisas de flanela e usando rabo de cavalo. No
cinema.
Eu acompanhei um bom naco da vida desta
entidade em tempo real. Mesmo alheio ao seu íntimo, seu processo de criação e
suas motivações, conseguiu me conectar com aquelas palavras cantadas em outra
língua por um vocalista visceral e fraseados de guitarra hard-classic-dirty. O Pearl Jam é a
minha banda.
E nasceu das cinzas do Mother Love Bone,
banda de Andy Wood. Mostrado em cenas raras, Wood era um futuro rock star que morreu como
tal antes de sê-lo. Seu baixista e seu guitarrista - Jeff Ament e Stone Gossard
- seguiram em frente e fundaram um embrião de banda com um surfista de San
Diego que enviou uma fita pelo correio. Por que as histórias de sucesso
avassalador sempre nascem de forma romântica, alimentando crenças absurdas sobre
destino e teorias imponderáveis?
Mesmo acompanhando o PJ em tempo real ao
longo dos anos e conhecer boa parte das histórias e lendas nas quais o filme é
baseado, é impossível não se emocionar com a compilação de imagens e
depoimentos selecionados de alegadas 3 mil horas de material. A cronologia é organizada
pela canção que acompanha a cena. Versões envelhecidas e grisalhas dos relutantes
heróis contrapondo cabeludas faces joviais. Personagens importantes ganham
voz. Kurt Cobain apresenta uma dinâmica no filme que arrefece a lendária rivalidade
entre PJ e Nirvana de forma desconcertante. Chris Cornell, sempre de postura
fria e distante, aparece mais de uma vez com olhos marejados em seus
depoimentos.
Eddie Vedder, 46 de vida, mantém a timidez
e os trejeitos do início da carreira. Seja em imagens atuais ou de arquivo,
Eddie se mostra sempre introspectivo e desconfortável fora dos palcos. Também
não aparenta resquício daquela energia incontrolável que o fazia pular sobre as
costas dos seus parceiros ou escalar estruturas de palco durante os shows,
comprovando que quando seus demônios internos não te matam, envelhecem com
você. Eddie parece estar sempre se perguntando “por quê?”; nunca entendeu o status
alcançado por ele e seus amigos de longa data, mas aprendeu muito bem como
canalizar tal poder: fazer continuamente o que gosta e drenar uma garrafa
de vinho por concerto. Quando aparece falando e mostrando fotos antigas, dá a
clara impressão de ser alguém que poderia ser meu vizinho ou um colega de
classe, mesmo nos dias de hoje. Provavelmente o convidarei para tomar uma comigo
e meus amigos quando a turnê chegar a São Paulo.
Cameron Crowe, cineasta e jornalista
talentoso, conhecedor de rock e fã da banda desde o início, foi o responsável por selecionar os
momentos que entrariam na película. É considerado um amigo pelos caras,
portanto, é meu amigo também. Tomou decisões discutíveis, como excluir o excelente
álbum No Code do documentário,
colocando apenas uma fala de Eddie justificando que o disco era o mais
impessoal dos quatro gravados até então. Não alardeou que o Pearl Jam é a banda
mais influente do seu tempo, mais que o incensado Nirvana, mais do que os
astros do britpop. Decidiu sabiamente deixar a condução da narrativa a cargo
da dupla que começou tudo, Ament e Gossard. Recheou o filme com canções
memoráveis em versões inéditas e com aparições importantes (Neil Young, por
exemplo). E destacou as idiossincrasias da banda, como a imprevisibilidade dos
seus set lists.
Crowe capturou a essência do que é aquilo
tudo. Uma banda que nasceu de um momento trágico e sobreviveu às falhas
inerentes ao ser humano, inspirou milhões a curtir seu som com membros
desprovidos de vocação para rock stars.
Celebrou com gosto os vinte anos da
única banda do chamado "movimento grunge" que sobreviveu ao rifle de
Kurt Cobain.
O filme conclui o que eu e milhões de
seguidores desta entidade já sabíamos: não há grande segredo por trás do
sucesso do Pearl Jam. É emoção pura. Coisas abstratas do mundo deles os mantiveram juntos,
fazendo boa música com integridade, por muito tempo. São as coisas simples e irracionais,
aquelas coisas que proporcionam bem estar.
É sua família. Seus amigos. Sua banda.
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