quarta-feira, 16 de setembro de 2015

INTERESTELAR, de Christopher Nolan ("Interestellar" - EUA - 2014 - 169 min) Roteiro de Christopher e Jonathan Nolan. Com: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Wes Bentley, David Gyasi, Topher Grace, John Lithgow, Mackenzie Foy, Casey Affleck, William Devane, Ellen Burstyn e Michael Caine.

Einstein, filosofia e... Deus?
Teoria da relatividade é espichada ao extremo no mais recente filme do diretor de O Cavaleiro das Trevas

Os temores da humanidade finalmente se concretizam. A superpopulação esgota os recursos naturais e chega ao fim o prazo de validade da Terra. Para evitar a extinção da raça humana, a NASA busca em outras galáxias planetas habitáveis para nossa espécie. Esse é o ponto de partida de Interestelar.

Na ânsia de parecer crível, o roteiro toma como base estudos de física quântica e ampara suas questões temporais na Teoria da Relatividade publicada por Albert Einstein em 1905. Mas não se preocupe: a trama parece rebuscada, porém, não há maiores complicações. Afinal, trata-se de um filme de Christopher Nolan e os diálogos existem para explicar tudo, e tudo outra vez - exceto o final do filme, como de costume (vide A Origem).

Ainda que pautado em questões científicas, o filme toma um viés filosófico sempre que o sensível elemento humano precisa interferir diretamente - seja quando Nolan decide incluir "amor" à mistura ou quando a ciência não consegue resolver questões impostas pela narrativa. Isso é bom, mas não justifica as decisões do realizador para concluir a história: em um final que destoa de toda a tentativa de realismo dos 150 minutos anteriores, a Teoria da Relatividade se torna "Teologia" da Relatividade, tamanho o esforço para amarrar a trama de forma circular se utilizando de elementos convenientes.

O triste nisso tudo é que, antes do ato final, Interestelar é um grande filme. Um mínimo de coerência narrativa e seria memorável.

NOTA: 


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

AZUL É A COR MAIS QUENTE, de Abdellatif Kechiche ("La vie d'Adèle" - França - 2013 - 179 min) Roteiro de Abdellatif Kechiche e Ghalia Lacroix, baseado na história em quadrinhos "Le Bleu est une couleur chaude" de Julie Maroh. Com Léa Seydoux, Adèle Exarchopoulos, Jérémie Laheurte, Salim Kechiouche, Mona Walravens, Jérémie Laheurte.

MUSA INSPIRADORA

Diretor é acusado de odiar suas atrizes, mas evidentemente ama suas personagens


Azul é a Cor Mais Quente é um filme fascinante.

De narrativa fluida e sem o didatismo chato que subestima a audiência, o filme de Abdellatif Kechiche é um belo estudo de personagem somado a uma história corriqueira, uma saga de sentimentos confusos, desejos incontroláveis e impulsos inconsequentes típicos da... vida.

O enredo é simples: Adèle (a excelente Adèle Exarchopoulos), uma adolescente em plena exploração de seus desejos, conhece uma moça de cabelo azul (Emma, devorada por Léa Seydoux) e se apaixona por ela. O que vem à seguir é a vida como ela é, na sua mais artística representação.

Sem pudores, o realizador escancara seu amor por sua protagonista. Adèle tem a câmera colada no seu rosto, seu corpo e ações em cada frame. Ela está em todas as cenas. As peculiaridades mínimas da personagem são esmiuçadas pela câmera, como o jeito particular com que prende o cabelo ou a posição preferida para dormir; os lábios expressando descuido e curiosidade; seu imenso prazer ao comer algo simples como macarrão ao sugo. Esses elementos se repetem sistematicamente, pois serão explorados nas polêmicas cenas explícitas que Adèle protagoniza com Emma, onde cada idiossincrasia se torna um personagem a serviço das belas tomadas: os cabelos, os lábios, a fome.

Mais forte que o amor, fica evidente o desejo do cineasta pela personagem. A essência dos sentimentos, o mais básico instinto humano, catalisador de felicidade e de sofrimento, motivador do futuro de cada ser. Por isso, sua câmera registra com gana a mais curta lágrima que brota dos olhos da menina. Adèle é musa da artista plástica Emma, e também de Kechiche. Emma retrata Adèle em suas pinturas; Kechiche o faz em película.

Ainda que não ame suas atrizes, que reclamaram publicamente dos métodos agressivos do cineasta, Abdellatiff Kechiche é um apaixonado por suas personagens. Mesmo que, nesse belíssimo filme, elas sejam expostas ao crivo da realidade, e não às fantasiosas lentes de Hollywood.

NOTA: 

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

50%, de Jonathan Levine ("50/50" - EUA - 2011) Roteiro: Will Reiser. Com Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick, Bryce Dallas Howard, Angelica Houston, Philip Baker Hall

MEIO A MEIO
Filme trata assunto delicado, emociona sem pieguice e diverte sem ofensas

Adam (Gordon-Levitt) está fazendo sua habitual corrida quando observa, em um cruzamento viário, o semáforo vermelho para pedestres. Mesmo sem nenhum veículo na via, o prudente rapaz aguarda o sinal abrir para que continue a correr. Na cena seguinte, vemos a preocupação de Adam diante da necessidade de utilizar um xampu diferente do que está habituado.

Mais dez minutos de filme, Adam será diagnosticado com uma espécie rara de câncer e passará a viver uma realidade onde a prudência no cruzamento da via ou o perfume do xampu são irrelevantes.

Embora seja um filme com embalagem leve, de elenco central jovem e Seth Rogen fazendo o de sempre, é impossível não se sensibilizar com a condição de Adam e sua dificuldade em levar uma vida normal.

Filmes sobre personagens doentes não precisam ser apelativos, e este não é. A questão aqui é o tema. No intervalo de três anos, vi essa doença devastadora levar dois membros imortais da minha família: mãe e sogra. No curto prazo mencionado, dois pilares das nossas vidas foram demolidos como que construídos com lego. A identificação com a narrativa veio na forma como tratamos o assunto antes que os organismos dos nossos entes queridos não suportassem mais: com carinho, com amor, mostrando presença mesmo estando longe, sendo realistas sem entregar os pontos. Parece imprescindível que seu ânimo esteja, no mínimo, cinco graus acima do da pessoa doente. Ela passa por tratamentos pesados que dificulta usufruir os maiores prazeres da vida, como comer ou fazer sexo. E tudo que ela precisa, sem pedir (ou sem saber) é de cumplicidade de vencedor, mesmo ciente da complexidade da situação.

Ainda que não consiga fugir dos estereótipos da mãe que sufoca e da namorada impressionável, o filme de Jonathan Levine procura destacar a atuação das pessoas que cercam o doente como profetas da saúde, e não reféns da doença. Não por acaso, a personagem mais complexa fica por conta de Anna Kendrick, que faz a jovem terapeuta de Adam. Ainda em treinamento, ela não consegue parar de vê-lo como um morto vivo e procura tratá-lo com técnicas genéricas. Adam, por sua vez, enxerga na moça um ser humano que também precisa de ajuda.


Como deve ser na vida, a narrativa não é sobre tragédias. É sobre a necessidade de conexão com as pessoas que amamos e a importância delas em momentos delicados. Como diz o título original, Fifty/Fifty: 50% de chance de morrer. Ou 50% de chance de viver tendo o prazer de não se arriscar no semáforo fechado. E de se preocupar com o tipo de xampu que lava seu cabelo.


NOTA: 


quarta-feira, 20 de maio de 2015

PÍLULAS: Últimos Filmes Vistos

Breves comentários sobre três filmes que vi recentemente. Cotações de 1 a 10.

VINGADORES: ERA DE ULTRON, de Joss Whedon (Avengers: Age Of Ultron, 2015, Ação/Quadrinhos)
O segundo filme da já anunciada quadrilogia não é tão bom quanto o primeiro. Culpa do excesso de personagens e da obrigação de concluir a chamada "2ª fase" da Marvel no cinema. Ainda assim, é empolgante e divertido. Com ótimas sequências de ação e outras nem tanto (Joss Whedon carregou na câmera parkinsoniana), tudo é maior e mais barulhento, inclusive os dramas pessoais de cada herói. Embora econômico em suas referências, é profundo nas mudanças que indica para o futuro.
Nota: 


SNIPER AMERICANO, de Clint Eastwood (American Sniper2014, Drama/Guerra)
Um grande filme, prejudicado pelo maniqueísmo e patriotada peculiares ao cinema panfletário americano. Eastwood foge de qualquer polêmica e cria verdades próprias ao contar a história do franco-atirador que mais vidas tirou no exercício da função. O fato de a guerra ter origem em uma mentira do governo Bush sequer paira sobre o roteiro de Jason Hall, como é ignorado o fato de que os "vilões" abatidos pelo atirador estavam defendendo seu território. Graças às habilidades do realizador e ao carisma do protagonista (Bradley Cooper, indicado ao Oscar pelo papel), temos um filme tenso e de narrativa atraente, ainda que moralmente discutível.
Nota: 


O ABUTRE, de Dan Gilroy (Nightcrawler, 2014, Drama/Suspense)
Inexplicável a ausência de Jake Gyllenhaal entre os cinco finalistas do Oscar. O ator está espantoso como o ladrãozinho barato que aprende a explorar o jornalismo "mundo cão" (sim, aquele de datenas e rezendes) vendendo imagens freelancers dos locais de acidentes e crimes violentos. Ao passo que adquire mais dinheiro e equipamentos, mais inescrupuloso se mostra o personagem na busca da exclusividade, da melhor "história". Um sociopata encontra um ator em grande forma. Filmaço.
Nota: 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O HOMEM DE AÇO, de Zack Snyder

"Man Of Steel" - EUA - 2013 - HQ/Sci-fi/Ação - 143min. Roteiro de David S. Goyer e Christopher Nolan. Com Henry Cavill, Amy Adams, Russel Crowe, Kevin Costner, Diane Lane, Michael Shannon, Laurence Fishburne, Richard Schiff, Christopher Meloni, Ayelet Zurer.

MISSÃO IMPOSSÍVEL
Falta de objetividade e emoção minam mais uma tentativa de criar um filme com o Homem de Aço sem Christopher Reeve e Richard Donner

Na resenha de O Espetacular Homem-Aranha, destilei toda minha rabugice sobre a terrível moda das "trilogias", a ideia maléfica de se conceber um filme raso com a intenção de torná-lo complexo e mais divertido em suas prováveis continuações.

Eis que nesse aguardado O Homem de Aço, a Warner sentou-se à mesa com Zack Snyder, Chris Nolan e David Goyer e decidiu que Henry Cavill não seria submetido às comparações inevitáveis com o ícone Christopher Reeve, pois não era necessário cobrar do rapaz algo que ele poderia fazer apenas no segundo e terceiro filmes, já com a simpatia de público e crítica após seu desempenho sob a capa do Superman. Assim, sua missão como ator ficou fácil, pois diferente do inesquecível Christopher Reeve e do esforçado Brandon Routh, Cavill não precisou se desdobrar entre Superman/Clark Kent, já que o personagem foi capturado em um momento de indefinição em sua vida, onde não sabia se seria herói, vilão, repórter.

Mas não é apenas esse "detalhe" que prejudica a mais nova tentativa de repaginar o septuagenário super-herói.

Intimidado com a presença do produtor e co-roteirista Christopher Nolan, Zack Snyder dotou seu filme com toda a verborragia e didática características do diretor de O Cavaleiro das Trevas, mas sem o mesmo talento para costurar cenas que seduzam a audiência e evite que ela sinta... sono.

Preocupados com a redundância de mostrar a infância e adolescência do herói mas sabedores da necessidade de tal providência por causa do tom solene que decidiram adotar para o filme, Snyder e Nolan depositaram na montagem de David Brenner a esperança de inserir momentos importantes em flashback durante a ação, evitando assim um longo e inútil prólogo como em (de novo) O Espetacular Homem-Aranha. Porém, o tiro saiu pela culatra, já que as cenas em flashback arrastaram a ação, não emocionaram (exceto a primeira, com Diane Lane conversando com o pequeno Clark através de uma porta trancada por dentro), deixaram claro a sub-utilização de Kevin Costner como Jonathan Kent e, o pior, parece que foram dirigidas por outra pessoa. Apesar da longa duração do filme, a impressão é de soluções encontradas às pressas. Quando Kal-El sai da fortaleza com o uniforme do herói só dá para pensar "tudo isso pra isso?".

Filme de Ação?

Como todo filme de super-herói que se preze, deve-se haver um capricho especial nas cenas de ação (estamos falando de um filme que custou US$ 250 milhões). Nisso, Snyder acertou. As cenas de destruição e pancadaria rivalizam com as tomadas mais histéricas de Michael Bay, porém, com nitidez suficiente para que se entenda o que está rolando na tela. Assim, podemos ver Superman e o vilão Zod trocando sopapos como todo fan boy sonhava e prédios desmoronando com realismo absurdo.

Por causa disso, chegamos ao defeito mais claro, o que de fato derruba o filme e suas pretensões de ser um entretenimento além das aventuras fantasiosas e pueris que facilmente se pode produzir em um filme desse gênero: não é possível criar um espetáculo calcado no realismo e nos personagens se a platéia não se identificar com aqueles que correm perigo em cena. Assim, um elenco que conta com Russel Crowe, Kevin Costner, Amy Adams e Laurence Fishburne vira um desfile vazio de estrelas que, mesmo esforçados em seus papéis, não conseguem prender a platéia pela emoção. Superman, invulnerável e cheio de poderes, não despertaria mesmo maiores temores. Nem mesmo os nada sutis paralelos entre Superman e Jesus Cristo conseguem cativar os espectadores.

Plot

A trama é esperta. Calcada em livre-arbítrio e na importância básica das escolhas pessoais, começa com Jor-El decidindo ter um filho por meios naturais. Em Krypton, cada criança é concebida por meios artificiais e nasce com seu destino traçado por um codex. Então, Joãozinho cresce sabendo que será pedreiro e Zezinho, advogado. O General Zod (Michael Channon, fazendo valer seu cachê) foi criado para ser um militar, um homem de guerra responsável por resguardar as regras do planeta - a manutenção do codex entre elas. Quando Jor-El consegue se apoderar do troço e despachar seu filho para a Terra sem "codificação", Zod se impõe à missão de corrigir o "erro", seja quando for e custe o que custar. No fim, a trama se amarra de forma bacana tanto na história de Clark Kent quanto no desfecho do filme, onde ele toma uma decisão surpreendente diante de uma escolha que se impõe (sem sutilezas, por sinal). Pena que a cena pode ser enfraquecida por toda destruição e (obviamente mas nunca graficamente) as milhares de mortes causadas no longo combate dos super-seres.

A propósito, essa cena final é responsável pelo único momento "wow!" do filme. Não há nada mais que nos faça arregalar os olhos ao longo da projeção.

Bem sucedido em filmes nos quais tomou emprestada a visão de outros (300 e Watchmen), me perguntei na resenha de Sucher Punch - Mundo Surreal se Zack Snyder se sairia bem em O Homem de Aço, outro filme no qual ele não contaria com os storyboards de Frank Miller e Dave Gibbons.

A resposta é "não".

NOTA: 

sábado, 4 de maio de 2013

HOMEM DE FERRO 3, de Shane Black

"Iron Man 3" - EUA - 2013 - HQ/Sci-fi/Ação - 130min. Roteiro de Drew Pearce e Shane Black. Com Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Guy Pearce, Ben Kingsley, Don Cheadle, Rebecca Hall, Paul Bettany, Jon Favreau, James Badge Dale.



TONY STARK RISES
Shane Black joga Tony Stark no abismo e comprova que Robert Downey Jr. não precisa de armadura para encher os cofres da Marvel

Nunca ilustrei um post com três cartazes do filme resenhado. Porém, achei curioso o fato do trabalho de divulgação desse Homem de Ferro 3 desprezar categoricamente o símbolo maior do super-herói de gibi: a máscara. Em qualquer imagem que se vê nos cartazes oficiais, Tony Stark está sem o capacete. O óbvio motivo deste artífice é o tamanho alcançado pela figura de Robert Downey Jr. após vestir-se de de Tony Stark três vezes (dois Homem de Ferro e um Vingadores). Tamanho este que praticamente o libera da obrigação de estar dentro da armadura para agir de forma heroica nessa quarta aparição do personagem em cinco anos.

Após um início arrasador com o de filme de 2008, que divertiu o mundo com um roteiro enxuto e adaptou a origem do super-herói para a realidade pós-11 de setembro, o segundo filme apareceu como uma diversão pesada, indulgente e tão pretensiosa quanto seu protagonista. Tony Stark estava um personagem irritante, interpretado um tom acima pelo redivivo Robert Downey Jr..  Eis que, ao pensar o terceiro filme, a direção muda, e tanto roteiro quanto realização são passadas de Jon Favreau para Shane Black, bem sucedido roteirista de filmes de ação (para quem não sabe, Martin Riggs e Roger Murtaugh nasceram sob sua pena) com a missão de prosseguir a saga do vingador dourado após seu encontro com os Vingadores.

Para resgatar o herói da sua arrogância e aproximá-lo mais do público - e tentar colocá-lo em ameaças reais no processo - Black retornou ao básico: devolveu o playboy à caverna onde criou sua primeira armadura. Não literalmente, óbvio. O que ele fez foi removê-lo de sua zona de conforto e arremessá-lo em um mundo onde seu traje existe, mas não funciona na velocidade da suas tiradas sarcásticas. A cena de um Stark  ferido e sozinho arrastando a armadura na neve com os próprios músculos ilustra magistralmente o caminho que o filme pretende tomar. Reparar a armadura em local ermo e com recursos mínimos, enfrentar o mais ameaçador vilão da trilogia, curar seus traumas nova-iorquinos e proteger a mulher que ama. Eis a missão.

Se o conteúdo é promissor e o enredo é estabelecido com maestria (a sequência da mansão sendo destruída, com todos os elementos envolvidos, é de cair o queixo), a forma deixou a desejar. Os vários furos incomodam (e a partir daqui, podem aparecer pequenos spoilers), como a facilidade com a qual Stark sozinho consegue encontrar o covil do vilão (o detalhe é que o pentágono, com ajuda intensa de James Rhodes, não conseguia) e o orgasmo múltiplo de amaduras que aparece no clímax do filme. Porra, quer dizer que Stark se desdobrou à toa para reparar a Mark 42 utilizando artifícios dignos de McGiver? O consolo é que a tal Mark 42 é um recurso importante para a trama, já que é a única armadura que Tony consegue controlar com a mente (via chips implantados no antebraço) e utilizá-la de várias formas. Mas se ele ainda guardava tantas armaduras no porão, qual o objetivo de apanhar sem um traje? E que tal o clichê de conectar herói e vilão a uma situação do passado? Também há uma solução envolvendo uma importante característica do personagem que, se não chega a comprometer toda a trilogia, incomoda bastante. E outros tropeços que não é possível descrever sem entregar demais sobre o filme.

A boa notícia é que para quem está simplesmente disposto a gastar duas horas de entretenimento digno de "gibi de super-herói", poderá se divertir muito. As cenas de ação são inventivas e espetaculares, e finalmente o Homem de Ferro sai na porrada com um vilão poderoso que não usa armadura; há surpresas bacanas e reviravoltas aceitáveis;  Downey Jr. continua segurando a bronca, com a artilharia verbal calibrada; Gwyneth Paltrow está linda e muito melhor aproveitada que nos outros filmes; Ben Kingsley encara de forma corajosa e brilhante um personagem complexo, um vilão do nosso tempo; e Guy Pearce surge perfeito como a última peça do quebra-cabeça proposto por Black. Apenas Don Cheadle se deu mal, aparecendo pouco e sendo constrangido pelos buracos do roteiro.

Não poderia deixar de registrar: após anos de adaptações de quadrinhos preocupadas em soar realistas ao consumidor de cinema, percebo nos três últimos grandes filmes baseados em HQ uma sensível tendência dos cineastas em tratar a questão "realidade" com clichês da obra original, resultando em aventuras mais próximas do gibi. E, surpreendentemente, o precursor disso é O Cavaleiro das Trevas Ressurge, conclusão da seríssima trilogia do Batman de Christopher Nolan. Após o claustrofóbico O Cavaleiro das Trevas, Nolan relaxou no último filme e, não só permitiu traquitanas impossíveis (a "bat-nave") como deixou o vilão do filme explicar seu plano-mestre detalhadamente ao herói antes de morrer. Mais gibi que isso, só Joss Whedon, que vestiu seus Vingadores com os mais reluzentes uniformes quadrinísticos, colocou todos os heróis para sair na porrada uns com os outros e permitiu os exageros do "combate sem arranhão" travado com os capangas alienígenas. Shane Black seguiu a tendência em Homem de Ferro 3 e, além da velha explicação detalhada do plano de conquista do vilão, colocou mocinhos presos em armadilhas e mostrou antagonistas literalmente cuspindo fogo em cena.

Com apenas dois filmes como realizador, Shane Black precisa começar a se livrar das soluções fáceis e lembrar que o público dos blockbusters também gosta de linhas bem escritas.

Afinal, Robert Downey Jr. pode não estar lá na próxima vez.

NOTA: 




segunda-feira, 1 de abril de 2013

PEARL JAM - SET LIST LOLLAPALOOZA BRASIL - 31/03/2013



Famoso festival de rock americano - o Lollapalooza - é trazido pela segunda vez à caótica cidade de São Paulo.

A maior banda de rock das últimas duas décadas fechará o evento, para meu deleite e meu infortúnio.

Impossível ir de carro, com a extorsão praticada por flanelinhas e empresas de estacionamento oportunistas, que tiveram a manha de cobrar cem cruzeiros por veículo parqueado. A solução será o precário transporte público, comprovadamente sem a menor vocação para amparar eventos desse porte. Sabia que o retorno seria uma aventura (e foi, com um lapso de três horas entre o fim do show e o banho quente antes de ir para a cama).

Chegando ao local, ainda enfrentaria as grandes filas, os banheiros químicos, o lamaçal vindo não sei de onde. Sim, expirou meu prazo de validade para encarar grandes festivais de rock in loco.

Porém, quando Eddie Vedder entoa a frase inicial de "Elderly Woman Behind the Counter In a Small Town", espano o pó das articulações e a rabugice some instantaneamente. A catarse que se segue em uma apresentação explosiva carregada de clássicos ("Alive", "Jeremy", "Given to Fly", "Even Flow", "Do The Evolution") e canções absurdamente lindas ("Black", "Wishlist", "Daughter", "Better Man", "Yellow Ledbetter") se compara apenas às últimas apresentações da banda na cidade, em 2011. Embora sem os costumeiros "mimos" para os fãs de carteirinha e cometendo erros discretos, típicos de caras que não tocam juntos há seis meses, o que se viu em 2h10 de espetáculo foi uma multidão entoando todas as letras, vibrando com o carisma do frontman e sedentos pela próxima música. Como nas outras três apresentações nas quais estive presente.

Tudo faz sentido quando o Pearl Jam está no palco.

SET LIST

"Elderly Woman Behind The Counter In a Small Town"
"Why Go"
"Intertellar Overdrive" (Pink Floyd cover)
"Corduroy"
"Comatose"
"Olé"
"Do The Evolution"
"Wishlist"
"Got Some"
"Even Flow"
"Nothingman"
"Insignificance"
"Daughter / w.m.a."
"World Wide Suicide"
"Jeremy"
"Unthought Known"
"State of Love and Trust"
"Rearviewmirror"

Encore
"Given to Fly"
"Not For You"
"Better Man"
"Black"
"I Believe In Miracles" (Ramones cover)
"Go"
"Alive"
"Baba O'Riley" (The Who cover)
"Yellow Ledbetter"




quarta-feira, 20 de março de 2013

GIBI: NÊMESIS, de Mark Millar e Steve McNiven

"Nemesis" (Marvel Icon - Panini Books) - Argumento de Mark Millar, arte de Steve McNiven e cores de Dave McCaig (2012) - 112 páginas

STORYBOARD NA BANCA
O sucesso cinematográfico de Kick Ass e O Procurado reflete negativamente na nova obra de Mark Millar

Kick Ass. O Procurado. Os Supremos. É difícil falar mal de um autor com um currículo desses. No entanto, Mark Millar se esqueceu do significado da palavra "adaptação" e, com Nêmesis, criou um storyboard para ser vendido em comic shops.

O sucesso das HQs mencionadas no início do post, igualmente bem sucedidas em suas transposições para o cinema (Os Supremos não foi adaptada literalmente, mas a idéia master por trás do filme dos Vingadores saiu de lá) não foi absorvido com clareza por Millar; ao realizar um trabalho de autor, desafia-se outra mídia - e outro autor - a adaptá-la para sua linguagem com competência suficiente para que sejam ambas bem sucedidas. Millar, cheio de pretensão e aparentemente sedento pelos milhões que seu roteiro há de render, escreveu cada linha descritiva, cada diálogo, cada reviravolta, como quem recebe uma encomenda para o novo filme de Michael Bay.

O gibi nasceu de uma idéia original: subverter o mito do Batman, no qual bilionário utiliza sua grana e tecnologia no combate ao crime e criar um personagem tão poderoso e inteligente quanto, mas que atua como supervilão. No caso, o único supervilão em um mundo sem super-heróis. Megalomaníaco obcecado por encontrar oponentes desafiadores, Nêmesis aposta suas fichas contra um veterano policial americano, com quem o vilão supostamente possui uma história passada. Talentoso e cruel, Nêmesis realmente seria um oponente difícil até para o Batman, fato que se torna o único atrativo da HQ: como um policial comum poderá combater tamanha ameaça?

Retratada pelo traço ágil de Steve McNiven com uma dinâmica, ahaamm, cinematográfica, o enredo  de ação ininterrupta tropeça na ganância de Millar em chocar gratuitamente, no caráter unidimensional de personagens que deveriam ser complexos e no amontoado de clichês típicos do cinema (como o vilão que se entrega propositadamente como parte de um plano e o pai ausente preocupado com a carreira). Aliás, olhando com atenção, percebemos referências à excelente HQ Skreemer, de Peter Milligan (1990), ao filme O Alvo, de John Woo (1993) e até um sopro de M. Night Shyamalan no final surpresa. Referências estas todas dos anos noventa, "a década do sombrio" para os fazedores de arte, década que parece ser musa inspiradora de Mark Millar. Adoro os 90 das guitarras sujas e vocais graves, mas se fosse Millar, prestaria atenção aos rumos que tomaram as carreiras de Woo e Shyamalan. A continuar escrevendo coisas como Nêmesis, suas HQs serão, de fato, adaptadas para o cinema por Michael Bay.

NOTA: 


terça-feira, 12 de março de 2013

LOOPER - ASSASSINOS DO FUTURO, de Rian Johnson

"Looper" - EUA/CHI - 2012 - Sci-fi/Ação - 119min. Roteiro de Rian Johnson. Com Bruce Willis, Joseph Gordon-Levitt, Emily Blunt, Jeff Daniels, Paul Dano, Piper Perabo, Noah Segan, Pierce Gagnon, Qing Xu.


A IGNORÂNCIA É UMA BÊNÇÃO
Natureza do vilão escondida até o terceiro ato e poucas concessões fazem de Looper - Assassinos do Futuro uma verdadeira pérola

"Há alguma coisa lá fora, nos esperando. E não é um homem. Vamos todos morrer."

Essa frase aparece lá pela metade do sensacional O Predador (John McTiernan, 1987), quando o personagem Billy (Sonny Landham) é questionado sobre o motivo do seu medo. Imagine que você nunca tivesse ouvido falar do tal alienígena caçador e estivesse assistindo ao filme sem a menor expectativa sobre a natureza da criatura que os soldados liderados por Arnold Schwarzenegger enfrentariam mais adiante. Frio na espinha, certo? Outro ótimo exemplo é O Sexto Sentido (M. Night Shyamalan, 1999). Sem a expositiva campanha de marketing, o "oooooooh" de surpresa que se ouviu no cinema quando se revela a natureza do personagem de Bruce Willis teria ocorrido uma vez antes, assim que Cole dissesse a célebre frase "I see dead people". Como seria se ninguém soubesse que o menino Cole via fantasmas antes de entrar no cinema, evidentemente o objetivo de Shyamalan ao conceber o roteiro?

Mas que diabos, é preciso vender os filmes. Principalmente os caros, que ficam mais caros exatamente por causa da campanha de marketing. E não adianta gastar tanto dinheiro e o espectador não se interessar em ir ao cinema, certo? Por isso, o excesso de informações em dois minutos de trailer. O triste é que, para muitos filmes, a divulgação precoce do enredo, trailers demasiado expositivos e o marketing agressivo enfraquecem a experiência do espectador. 

O que me traz a esse Looper, lançado há pouco em DVD/Blu Ray. Nas divulgações que vi, pouco da enxuta trama foi revelado. Evitei procurar muito sobre o filme, não li resenhas ou críticas. Soube apenas que Willis e Levitt interpretam o mesmo personagem em épocas diferentes, que são assassinos profissionais incumbidos de matar pessoas enviadas de trinta anos no futuro e que eles se encontram no presente do "Joe" mais jovem . Não fica claro se são aliados ou antagonistas, nem qual motivo traz o velho Joe ao passado. E quem é o vilão? Joe jovem? Joe velho? O chefe deles? Só é possível saber assistindo ao filme e, mesmo quando se descobre o personagem, ainda há outra surpresa envolvendo sua natureza. Isso é ótimo e, sem dúvida, causa um prazer adicional ao subir dos créditos.

Se a maquiagem de Levitt não é das melhores, com aqueles olhos exageradamente tristonhos, sua imitação de Bruce Willis até convence. A ação é bacana e correta, mas acertadamente não domina o filme. E Emily Blunt? Bem, Emily Blunt surge linda sem lobisomens ao redor e com uma missão mais difícil que a de Joe: ser mãe.

Willis, o astro de ação veterano mais respeitado do mercado (basta lembrar dos seus contemporâneos), entende que seu personagem tem mais camadas do que exige uma simples fita de tiros e explosões, e não faz feio. Sabendo tudo o que ocorre daquele momento passado até seu presente, o "Joe velho" precisa garantir a manutenção de um destino que ele já atingiu, mas desconhecido (e indiferente) para seu eu mais jovem. Por este motivo, o papel fundamental da trama cabe à Levitt: solitário e cético, ele precisa entender sua parte naquilo tudo em um curto espaço de tempo presente, sob pena de destruir não apenas o seu futuro, mas de toda a humanidade.

NOTA: 

Em tempo: esse trailer (o 1º divulgado) não entrega nada demais sobre a trama, apenas apresenta os personagens. Já o trailer 2 (que sabiamente assisti somente hoje, para escolher qual divulgar no post) indica pontos importantes da história, inclusive cenas finais do filme. Quem ingere muitos alimentos ricos em fosfato, não deve assistir antes de ver a fita. Como eu disse na resenha de O Caçador: em um mundo perfeito, as pessoas procurariam resenhas de um filme somente após assistí-lo.





terça-feira, 24 de julho de 2012

O ESPETACULAR HOMEM-ARANHA, de Marc Webb

"The Amazing Spider-Man" - EUA - 2012 - Aventura/HQ - 137min. Roteiro de James Vanderbilt, Alvin Sargent e Steve Kloves. Com Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Martin Sheen, Sally Field, Denis Leary, Campbel Scott, Embeth Davidtz.

PODER E ESCOLHA
Nova aventura do aracnídeo esvazia o motivo da existência do herói: seu senso de responsabilidade

Ok, a culpa é nossa. Basta ver o anúncio de produção de um novo filme de super-herói que nos inflamos de expectativa e corremos para o cinema assim que o filme estréia. Não me olhe assim, somos iguais.  A bilheteria explode, os produtores contam milhões (as vezes, bilhões) e uma continuação é engatilhada. Ou duas. Esgotados os arcos dramáticos e a paciência dos envolvidos na produção, não há problema: conta-se novamente a mesma história, com equipe criativa diferente. É o que acontece com este Espetacular Homem-Aranha, um remake do filme de 2002 com diretor, atores e vilão diferentes. Trata-se de um filme irregular desde a concepção, já que, com metade da sua duração dedicada a recontar uma origem ainda fresca na memória geral, não precisaria existir.

Lamentações vãs à parte, a aventura está aí e, se por um lado tem a melhor personificação gráfica do herói, com movimentos inspirados em HQs de feras como Todd McFarlane e Mark Bagley (graças à evolução do CGI), por outro apresenta cenas de ação pouco inventivas e um vilão que carece de razão para existir. E existe pelo que há de mais clichê e dispensável neste tipo de filme: o herói "ajuda" a criá-lo. E não será a única "interferência do destino" da aventura. A mocinha Gwen Stacy (a sempre bela Emma Stone) trabalha para o alter-ego do vilão e é filha do capitão da polícia obcecado em prender o Aranha. O próprio Peter (Garfield, fazendo o que pode) tem mais pontos em comum com o Lagarto, já que seu pai era parceiro de Curts Connors (Ifans, sem chance de aparecer). Lastimável. Mas o maior problema reside exatamente no que deveria ser a alma do filme: a construção dos personagens. Sobretudo, de Peter Parker.

O Homem-Aranha é a obra-prima de Stan Lee (em parceria com o mito Steve Ditko) exatamente por causa da complexidade do garoto que veste a máscara. Peter Parker é um geniozinho do colégio, nada popular e vítima de buling que, em uma feira de ciências, é picado por uma aranha radiativa que lhe confere força e agilidade proporcionais às do aracnídeo. Órfão, foi criado pelo tio paterno que ensinou uma valiosa lição sobre "poder e responsabilidade", transformando aqueles poderes que poderiam ser motivo de curtição e vingança contra os valentões em uma verdadeira maldição que monopolizava seu tempo, o afastava dos seus entes queridos e de qualquer chance de ter uma vida normal.

Marc Webb e seu time de roteiristas acharam boa idéia ignorar essa complexidade e jogar seu Peter Parker - que na versão Andrew Garfield é um antenado rapagão de cabelos cuidadosamente desgrenhados (Crepúsculo?) - no turbilhão irresponsável da adolescência comum, motivado apenas por vingança juvenil e pelo irritante clichê "preciso deter o Lagarto porque ajudei a criá-lo". No longa de Webb, Parker pensa que usar seus poderes para ajudar as pessoas depende da sua escolha, e não do seu senso de responsabilidade. Tirando isso do personagem - o senso de responsabilidade - , ele não existe mais. Não ajuda o fato de Gwen Stacy e May Parker, os dois personagens de maior apelo junto aos fãs das antigas, não apresentarem qualquer profundidade. Sally Field faz uma Tia May triste, nada mais. Nada de inspiração ou preocupação por parte do sobrinho. Peter se apaixonar pela loirinha Gwen é normal, o triste é ele passar de um esquisito desconhecido a grande amor da garota tão rápido e rasteiro que deu a impressão de que cochilei por alguns minutos durante a projeção. Não dá para torcer por um casal assim. Para entender a dinâmica "Peter-Gwen", Webb deveria ter lido Homem-Aranha: Azul de Jeph Loeb e Tim Sale. Chris Nolan leu uma obra de Loeb - O Longo Dia das Bruxas - e o resultado pode ser conferido no seu O Cavaleiro das Trevas

Além das coincidências, dos personagens rasos e do Peter Parker desfigurado, o filme ainda não se amarra.  O Tio Ben morre. Cadê a consequência? Existem insinuações sobre os pais de Peter e sua "aranha". Por quê não foi desenvolvido? Tenho a resposta: a coisa foi pensada como "trilogia", então, os produtores acharam que não era necessário amarrar o filme como projeto cinematográfico, o que é terrível. Marc Webb, um cineasta de grande potencial, agora é o feliz responsável por um filme concluído, porém incompleto! Sinto saudade do tempo em que um filme era uma unidade, um produto acabado, independente de ser parte de uma cinessérie ou saga.

A verdade é que O Espetacular Homem-Aranha não é espetacular. Não é emocionante, o vilão é fraco, as mortes não são sentidas. Gwen não é apaixonante, Tia May não faz diferença, Curts Connors perdeu a referência. E a superexposição do herói sem máscara insinua que seu altruísmo depende de reconhecimento.

Com tanto deslize, até a ideia bacana de explorar a "busca por identidade" do herói ficou diluída em diálogos expositivos e motivação anêmica.

Ainda bem que existe o velho Homem-Aranha 2 de Sam Raimi para lembrar que meu personagem preferido (em qualquer mídia) já teve uma obra cinematográfica digna da sua importância como ícone pop.



NOTA: